Quem andar pelas ruas da Vila Operária notará o grande número de casas de madeira, construções remanescentes do tempo em que essa era a única forma de se erigir uma habitação e também a mais barata, dada a abundância de árvores. Atualmente existem cerca de 700 residências de madeira, sem contar as de estrutura mista (134 unidades), consagrando-se como o maior núcleo de domicílios pioneiros de Maringá, um verdadeiro tesouro histórico que caminha a passos largos para a extinção. Tudo começou quando, logo após os funcionários da CMNP terem concluído a abertura e demarcação das quadras e dos lotes, os primeiros colonizadores trataram de erguer alguma edificação, mesmo em caráter precário, porque era exigência da Companhia que o proprietário construísse alguma coisa num prazo bem curto, sob pena de ter seu lote retomado porfalta de iniciativa empreendedora.
Não só as casas eram de madeira; juntavam-se a elas os estabelecimentos comerciais, industriais, de prestação de serviços, as igrejas, escolas, clubes, hospitais e tudo mais que significasse um abrigo para o desenvolvimento de atividades humanas. Como o bairro tinha uma população humilde, de baixo poder aquisitivo, várias residências foram feitas com material doado pelas serrarias dos arrabaldes, destacando-se a do Sr. Inocente Villanova Júnior, dono de uma delas e que forneceu de graça muita madeira para esse fim. A serraria do Villanova, como era conhecda, localizava-se na atual Avenida Tuiuti, numa época em que essa parte confundia-se com a própria Operária, e bem proximo dela havia outras unidades de corte e beneficiamento de toras, num manancial quase inesgotável e que iria suprir a demanda do povo.
Não há um estilo arquitetônico original nas edificações pretéritas, primando elas pelas simplicidade desde o alicerce até o telhado; por sinal, a cobertura ostenta um desenho homogênio, a conhecida meia-água ou a água-inteira (formas triangulares), contudo a funcionalidade dessas obras é inquestionável e expressa a cultura popular de uma gente desprovida de maiores recursos e que tem na criatividade o substituto da miséria. A imensa quantidade de casebres e cortiços presentes até o início dos anos 1980 é sintomática: declara o alto grau de pobreza em que muitos viviam, ou por estarem ganhando mal em seus empregos ou por desemprego mesmo. Os lugares em que essas verdadeiras favelas se concentravam ficavam na região abaixo da Avenida Paissandu, mais precisamente nas ruas Inhaúma, Monte Cáceros, Itapura e Avenida Riachuelo, vias que tiveram sua urbanização completada somente nos anos 1970 com a implantação do pavimento asfáltico, da rede de esgoto e galerias de águas pluviais, bem como da arborização. A incrementação desses benefícios de infra- estrutura, pela Prefeitura Municipal, causou uma revolução na vida desses habitantes. Ao mesmo tempo em que melhorou suas condições materiais de existência, elevou demasiadamente o custo de sua permanência na vila, obrigando-os, por força de lei, a construir muros de tijolos ao redor de sua propriedade e calçadas de ladrilhos ou cimentadas, substituindo respectivamente as cercas de balaústres e o chão de terra em frente das casas; isso sem contar os impostos, que trazem embutidos os valores das inovações instaladas.
A primeira via a ser asfaltada na Zona 03 foi a Avenida Riachuelo, mesmo assim só no trecho que principia na igreja São José e vai até o Centro Esportivo Dr. Luiz Moreira de Carvalho, isso nos anos 1960, mas será responsável pela inaugural leva de migrantes que abandonarão o bairro, forçados a procurar novos loteamentos na cidade. Um dos mais solicitados é o Jardim Alvorada (antiga Fazenda Santa Lina, que tem sua abertura no começo dos anos 1960, transformando-se no maior bairro de Maringá), destino preferido de ex-moradores da Operária, mormente inquilinos expulsos pela alta do aluguel. O Alvorada também receberá os migrantes dos anos 1970 (se bem que dessa vez dividindo com o distrito de Sarandi a preferência do público), incapacitados de pagar sua manutenção e impelidos a ocupar novo espaço. Esses constantes deslocamentos de pessoas provocam paulatinamente uma redefinição no perfil socioecônomico da Vila Operária, e aos poucos uma nova paisagem social e material vai se formando, dando vez a uma era diferente mas que conserva resquícios do período embrionário, numa convivência rica de detalhes e contraposições.
As mutações físicas são mais perceptíveis a partir de 1980, com a intensificação das demolições de prédios de madeira e o aparecimento de mais casas de tijolos, atingindo em 1994 o total de 1.200 residências de alvenaria, 700 de madeira e 134 mistas. Historicamente, o rigor jurídico para se edificar compulsoriamente uma obra nos terrenos da Zona 03 inicia-se em 1961 (adm. João Paulino Vieira Filho), visto que até 1960 tinham sido aprovados 721 projetos de construcão e 90,9% das residências eram de madeira e 81,5% do total de obras.
PROJETOS APROVADOS POR ANO NA ZONA 03
1947 – | 00 |
1948 – | 42 |
1949 – | 73 |
1950 – | 39 |
1951 – | 93 |
1952 – | 96 |
1953 – | 91 |
1954 – | 42 |
1955 – | 34 |
1956 – | 31 |
1957 – | 54 |
1958 – | 37 |
1959 – | 47 |
1960 – | 42 |
No ano de 1994 registraram-se 29 lotes vagos num universo de 1.434 unidades. Não significa que esses 29 lotes nunca tivessem construções, mas é uma situação vigente que mostra o baixo índice de imóveis desocupados.
Um fenômeno muito interessante começa a se processar no bairro por volta dos anos 1970: famílias inteiras mudam-se para algumas ruas (Néo Alves Martins e Marcílio Dias), atraídas por membros residentes há mais tempo. Esses migrantes têm procedência muitas vezes rural, e a aquisição de áreas urbanas, aliada às comodidades da cidade, os fazem mudar de meio, resultando na elaboração de projetos habitacionais requintados, sem perder os traços campestres na concepção arquitetônica. Algumas dessas famílias são: Mariani, Braido, Bulia, Pupulin, Mesti, Armelin, curiosamente todas de ascendência italiana. A importância dessa gente em seu novo ambiente faz-se na mesma proporção daqueles que deixaram esse mesmo ambiente, passando a morar em outras zonas ou municípios vizinhos.
A “idade da madeira” recebe seu golpe mais duro nos anos 1980, quando surge um novo concorrente na paisagem, o condomínio residencial vertical, na maior parte das vezes composto de 06 andares (havendo outros mais altos). A verticalização do bairro inaugura uma fase em que pessoas de renda mais alta transferem-se para a vila e alguns velhos moradores também decidem morar nos edifícios. A existência dos apartamentos causará impactos sensíveis na rotina da região: a mais percebida será a eliminação dos contatos primários de outrora, quando somente o muro ou a cerca separavam uma casa de outra. A privacidade da família terá um ganho significativo, sem contar o fator segurança, além de os prédios terem um caráter quase definitivo quanto à sua durabilidade através dos tempos. Essa classe média ocupante de apartamentos desenhará uma nova fisionomia social e econômica na Operária, criando hábitos e práticas diferentes e elevando mais ainda os preços dos lotes e dos aluguéis, pois todo terreno, em tese, pode vir a ter um condomínio. Em 1994 apurou-se a existência de 30 edificios no bairro, sem contar os já aprovados pela Prefeitura e aqueles em tendência inexorável do mercado imobilíari. Se no passado os terrenos da Vila Operaria eram mais baratos do que os de outras regiões de Maringá, nos últimos 15 anos essa discrepância acabou, encontrando-se hoje os valores equiparados.
O desenvolvimento do bairro foi desigual no que diz respeito ao tempo de sua execuçao. Benfeitorias do gênero energia eletrica, asfalto, esgoto, telefone, arborização etc. foram instaladas primeiramente no pedaço compreendido entre a Avenida Paissandu e a Avenida Mauá, um lado que com o passar dos anos adquiriu “status”superior ao da outra banda. Muitas vezes essa diferença foi traduzida num certo preconceito de ambas as partes, ficando a Avenida Paissandu na condição de divisor de águas entre o setor pobre e o rico. Trocando idéias com pioneiros da Operária, muitos afirmavam que mal conheciam o trecho do Centro Esportivo para baixo, justificando que aquela área expressava o que havia de mais pobre materialmente na vila e ainda continha uma aura de violência no ar. Por sua vez, outros pioneiros asseveravam que da Avenida Paissandu para cima moravam pessoas esnobes, que não portavam o espírito do bairro, e portanto não eram legítimos representantes da história da Zona 03. Essas rusgas internas apontam para a existência de um sentimento de territorialidade nos habitantes do bairro, ou de um segmento dele, um arraigamento pelo espaço físico, que se manifesta até pela disputa de quem é mais velho de residência na vila, garantindo assim a autoridade para falar sobre ela.
Há indícios indiscutíveis de que hoje em dia a intitulada “Baixa Operária” (entre a Avenida Paissandu e a Avenida Laguna) acha-se num estágio econômico e imobiliário inferior em relação à “Alta Operária” (entre a Avenida Paissandu e a Avenida Mauá). E bom frisar que as denominações “alta” e “baixa” concernem à posição geográfica dos espaços, inexistindo qualquer juízo de valor. Esse atraso desenvolvimentista, visto de um ângulo preservacionista, é extremamente positivo, sobrevivendo vestígios da época distrital de Maringá (1947-1952), casos como o de poços de água compondo com a casa de madeira um conjunto domiciliar típico do período de colonização.
Das várias repercussões ocorridas por conta dos avanços urbanos, uma das que mais sobressaíram foi o total desaparecimento dos campinhos de futebol, instituição celebrada pelas crianças e jovens de vinte ou trinta anos atrás, alternativa de recreação e passatempo sem concorrente no cotidiano da meninada. Todo terreno vago era um possível campo, destacando-se o da Praça Regente Feijó, onde não existia o atual Centro Esportivo (criado em 1976, na adm. Sílvio Magalhães Barros), e atraía diariamente dezenas de garotos ávidos de jogar bola. Antes mesmo de ser construída a praça de esportes, no local havia uma pré-escola chamada UPAPE (Unidade Pólo de Ação da Pré-Escola, criada na Adm. Adriano Valente), que foi a sucedânea dos campinhos, provando a intensa rotatividade das funções dos espaços urbanos na Operária. A utilidade social desses campos de várzea era infinita; eles serviam como válvula de escape para um segmento do povo acentuadamente carente e que não podia, por motivos financeiros, freqüentar um clube social.
A voracidade da especulação imobilíaria suprimiu esses espaços, forçando os meninos a procurarem outras opções de diversão; mas eles apenas transfiriram o jogo, antes praticado na terra ou na grama, para o asfalto, dividindo-o com os automóveis e pondo a vida em perigo. Houve inclusive casos de atropelamento e até mortes. Hoje em dia ainda é possível ver partidas de futebol na rua, maséiaro, nada comparado aos anos 1950, quando a Praça Emiliano Perneta (local da Igreja São José) encerrava um pequeno campo de futebol, que deu origem ao 10 de Maio F.C., primeiro time amador do bairro, organizado pelo Padre Benno, da Sâo José, um entusiasta das pelejas disputadas na praça da paróquia. Tanto a equipe quanto o campo não existem mais, vítimas das transformações operadas no logradouro. O último campinho acabou de ser morto; ele ficava na Avenida Laguna, entre a avenida e o Parque do Ingá, e por causa da duplicação da via teve que ser sacrificado.
Um serviço criado precocemente, em 1950, foi o do transporte interbairros de passageiros. A população da época, estimada em 40.000 pessoas, exigia para a sua circulação interna um meio rápido e eficaz, e ele veio por iniciativa do Sr. Geraldo Meneguetti, o primeiro proprietário de empresa de transporte coletivo em Maringá. Todavia, quatro meses após a concessão efetuada pela Prefeitura de Mandaguari (em 1950 Maringá ainda era distrito de Mandaguari) ao Sr. Meneguetti, ele negociou seu serviço de transporte com a família Polônio, daí por diante a responsável pela exploração da locomoção em massa em Maringá. A sede dos Irmãos Polônio, bem como da sua frota, localizava-se na Avenida Mauá, engrossando a pecha de área industrial da Vila Operária, visto que aí funcionavam algumas oficinas mecânicas, inclusive a da própria empresa de viação. Depois dos Irmãos Polônio, empresa dissolvida no final dos anos 1950, mais duas firmas assumiram o transporte, até que em 1978 o serviço municipal de circulares passou a ser explorado pela TCCC Transporte Coletivo Cidade Canção, situada na Avenida Monteiro Lobato até os dias atuais, permanecendo na Operária e empregando grande número de funcionários residentes no próprio bairro. Atualmente, as linhas de ônibus que percorrem o bairro são: 243, 323, 235,234, 335,314, 021 e020.
fonte:
Memória dos Bairros – Vila Operaria
Prefeitura do Municipio de Maringá –
Secretaria da Cultura
Gerência de Patrimônio Histórico.