O decantado talento portugués para o comércio viria se confirmar na Vila Operária. Mercearias foram abertas com o intuito de abastecer com gêneros de imprescindível necessidade a população local, e justamente aquelas criadas por lusitanos foram as que sobreviveram no decorrer dos tempos, casos como Casa Estrela, Casa Paraná, Mercearia Mendes etc. Esses armazéns de secos e molhados (denominação então muito usada) apareceram nas décadas de 1950/60 e representavam o acesso a produtos que anteriormente só podiam ser comprados no Maringá Velho. A forma como as mercadorias dispunham-se nas prateleiras e no recinto como um todo é fato merecedor de destaque. Quase não havia lugar para a circulação dos clientes, em decorrência da otimização do espaço interior: enlatados, cereais a granel, ferragens, equipamentos de caça e pesca, tudo isso e mais adensando-se de um jeito que dava a impressão de o dono não saber localizar o item desejado pelo comprador. Mas o merceeiro tinha pleno domínio da situação. Geralmente, o quadro de funcionários era a família do proprietário, morando no fundo do estabelecimento e garantindo com essa particularidade um atendimento em tempo integral e não somente no horário comercial.
A relação merceeiro/ mercearia/ cliente era de muita proximidade; apenas o balcão separava o comprador do vendedor, estreitando o diálogo e consolidando um ambiente de intimidade e pessoalidade. Esse contato será arranhado com a instalação de um supermercado em meados dos anos 1960, posicionado na Avenida Brasil, num ponto estratégico onde antes funcionava o Cine Horizonte. A inauguração do Supermercado Agostinho tem grande significado para a história da Operária. Mais do que ser um dos primeiros mercados de porte de Maringá, sua presença marcou um declínio das populares “vendas” (pequenas lojas comerciais) e um estremecimento nas finanças das mercearias, que não ofereciam artigos tão diversificados e por isso viram decrescera clientela. A freqüência constante de consumidores no supermercado afrouxou as relações sociais entre o proprietário merceeiro e o freguês, redefinindo-se os papéis sociais de cada um.
Abrir um supermercado na Vila Operária em plena década de 1960 equivalia a inaugurar uma nova fase de sua vida. Moradores de outros bairros deslocavam-se ao recém-inaugurado centro de compras e alguns aproveitavam o ensejo para conhecer a vila e quem sabe residir nela. O supermercado faz parte de um conjunto de inovações urbanas introduzidas no bairro naquela década, um lampejo de modernização físico-estrutural que tem efeitos radicais. Saliente-se que o próprio supermercado pertence a portugueses e, juntamente com as resistentes mercearias, compõe a paisagem luso-mercantil oferecida pela Operária.
Nessa década de 1960 um novo modelo de comércio vai se abancar na Zona 03 e se transformará rapidamente num dos seus marcos referenciais, apesar de ter um tempo de permanência curto durante o dia e de ser montado apenas alguns dias da semana. A feira livre encontrará ampla receptividade do povo, pois os produtos postos à venda (frutas, verduras e legumes na maioria), além de serem frescos, podem ter seus preços reduzidos de forma natural e espontânea, ou mesmo através de livre negociação, envolvendo o feirante e o freguês mediante a vulgarmente nominada pechincha. Essa genuína instituição feira livre resiste até noje, mantendo-se firme nos pontos determinados pela Prefeitura Municipal: Avenida Riachuelo, entre a Rua Inhaúma e a Rua Itapura (77 bancas), na segunda-feira; Avenida Riachuelo, entre a Praça Regente Feijó e a Rua Monte Cáceros (135 bancas), na sexta- feira; Rua Marcílio Dias na quinta e Avenida Ma uá no domingo (pontos recentemente criados depois que o largo do bosque deu lugar à duplicação da Avenida Laguna). Afeira livre que funcionava aos domingos pela manhã no Largo do Parque do Ingá (esquina da Avenida Laguna com a Rua Néo Alves Martins) foi a maior até agora em Maringá (chegou a ultrapassar 200 barracas), atraindo gente de todos os recantos da cidade e gerando uma renda bem alta para a sua estatura.
Desde o seu início até por volta dos anos 1980, boa parte dos feirantes morava na Vila Operária e suas bancas giravam a cidade inteira, de acordo com o calendário imposto pelo poder público. Uma das causas de a feira cair na graça do grande público, além das já citadas, é a identificação e empatia gerada entre os adquirentes e o negociante, normalmente uma pessoa de hábitos simples e de honestidade submetida à prova diuturnamente. Mesmo com a entrada dos “sacolões” (mercado de hortifrutigranjeiros) no circuito comercial, as feiras se revelaram recalcitrantes, assegurando uma freguesia fiel que não abre mão dela.
Os prestadores de serviços introduziram-se na paisagem do bairro e conquistaram sua cidadania histórica, revestindo-se de uma durabilidade temporal impressionante. São barbeiros, sapateiros, relojoeiros, açougueiros etc., profissionais que devotaram uma vida inteira ao trato com um público que rotineiramente eles viam, e a Operária é pródiga nesse particular, guardando patrimônios humanos da mais nobre estirpe, verídicos arquivos vivos da memória local e da cidade em geral. Pode-se mencionar como representante dessa categoria o Sr. Lourenço Picoli, estabelecido comercialmente como barbeiro há mais de 40 anos no bairro e que acompanhou seus avanços e retrocessos sem nunca perder o senso crítico, sempre dando suas opiniões quando solicitado e propondo soluções aos mais diferentes assuntos relativos à vila.’ Não há ninguém nas cercanias que não o conheça, um valioso homem-documento que ainda se acha na plenitude de sua forma física (apesar dos 71 anos), cortando o cabelo e a barba da população, e continuando a ouvir e contar histórias. Esses trabalhadores são mananciais riquíssimos de informações. A experiência empilhada ao longo dos anos, prestando serviços junto ao povo, esculpiu neles um sentimento de grande apreço e consideração aos agentes construtores de uma vila e de uma vida; e muitos, por pura modéstia, não percebem que eles próprios são esses agentes.
fonte:
Memória dos Bairros – Vila Operaria
Prefeitura do Municipio de Maringá
Secretaria da Cultura
Gerência de Patrimônio Histórico