OS EXCLUÍDOS

Uma varredura nos jornais diários de Maringá, dos anos 1960/70, especificadamente nas paginas policiais, mostrará uma face da Vila Operária pouco divulgada e conhecida, mas de suma importância para entendermos sua lógica interna de nascimento, crescimento e desenvolvimento. Pelo projeto urbanístico, o bairro deveria abrigar as indústrias, com os trabalhadores residindo nas imediações das fábricas. Acontece que, pelos idos de 1953, o município já somava cerca de 45.000 habitantes e pelo menos 17.000 viviam na sede urbana (plano original da CMNP). Com esse número relativamente alto de pessoas, as desordens sociais não tardaram a eclodir, e uma instituição foi criada nesse período com o objetivo de coibir as transgressões. Era a Guarda Urbana, postada na Rua Santos Dumont, quase esquina com a Avenida Laguna, uma organização de direito privado criada para exercer o papel de vigia e repressora dos atos considerados criminosos; e por estar situada na Vila Operária, suas ações incidiam prioritariamente no bairro. Essa instituição dispunha de armas, homens e viaturas para executar suas funções de proteção.

A Operária nesse momento era já um dos bairros mais populosos de Maringá, e as unidades fabris e comerciais existentes, por mais numerosas que fossem, não conseguiam absorver toda a mão-de-obra disponível, disso resultando uma quantidade expressiva de homens e mulheres sem emprego. O corolário desse quadro era a miséria quase absoluta de muitas famílias, refletida nas roupas puídas, habitações caindo aos pedaços, crianças descalças, sujas e subnutridas, enfim uma cena dantesca. E claro que alguns despossuídos se rebelavam contra esse estado de coisas, e o caminho trilhado por eles era o da marginalidade, apropriando-se de bens que não lhes pertenciam e montando uma verdadeira carreira delituosa, que estourava as divisas da Operária. Um dos fora-da-lei que marcaram época no bairro foi o famigerado Saroê, garoto nascido e criado na vila e que já na adolescência aterrorizava os moradores do local e também das redondezas. Esse “fenômeno” iniciou-se nos anos 1960 e entrou pela década de 1970, e teria passado despercebido como mais um caso de bandoleiro, não fosse o fato de creditarem a ele certas habilidades quando o assunto era fugir da polícia. Comentava-se que o bandido tinha a capacidade de transformar-se em algum objeto inanimado ao pressentir a proximidade da sua captura pelos policiais. Se essa história de metamorfose é real ou não, pouco importa, o que interessa é que o proscrito deixou um mito gravado na memória dos residentes da Operária dos últimos 30 anos. Outros delinqüentes povoaram a Zona 03: Nuguette, Spok, Coquinho, Baianinho, Tuta, Nego, Esquerdinha, Cocha, mas nenhum atingiu o “estrelato” de Saroê, assíduo freqüentador das colunas criminais dos jornais de Maringá.

Um aspecto que chama a atenção nesses meliantes diz respeito ao cenário de suas ações: raramente eles operavam no seu bairro de origem (Operária); preferiam roubar nos bairros mais nobres, tais como Zona 01, Zona 02, Zona 04 etc. A partir dos anos 1980, o índice de criminalidade na vila reduziu-se a niveis infimos, influenciado com certeza pelo trabalho do modulo policial instalado na Avenida Riachuelo, esquina com a Avenida Paissandu, com uma viatura permanente rodando o bairro de ponta a ponta intimidando dessa forma a movimentação dos ladrões. Outra causa da redução da violência na vila foi a mudança em massa processada nos anos 1970, década em que muitos migraram para o Jardim Alvorada, Mandacaru e Sarandi, deslocando para esses núcleos o eixo da violência urbana de Maringá. Os dois decênios (1960/70) produziram uma imagem muito negativa do bairro. As declarações proferidas por gente de fora (Zonas 01, 02, 04 e 07) impingiam à Operária o título de núcleo de formação de bandidos de Maringá, um covil de larápios sem os menores escrúpulos. Essa fama atrapalhou demasiadamente a valorização dos imóveis e só nos anos 1980 a explosão imobiliária aconteceu.

Adicionada ao problema da marginalidade, havia a mendicância, outro lado da questão de um bairro que tinha na labuta o seu distintivo mor. O mercado de trabalho não ocupava a todos, e a falta de qualificação técnica era uma das causas da crescente massa de desempregados, desaguando em duas possibilidades para contornar a falta de dinheiro: a senda espinhenta da gatunagem e a mendicância, ambas largamente utilizadas. Era comum nas ruas e avenidas da vila nos anos 1960/70 a perambulação de desocupados, pedintes de esmolas, tentando subsistir mais um dia. Suas roupas esfarrapadas denunciavam a condição de absoluta pobreza. Nos meses de junho e julho, quando o inverno alcançava níveis inferiores a zero (especialmente o de 1975), muitos mendigos morriam, e outros ficavam gravemente doentes. Para remediar essa situação desumana, a Santa Casa de Misericórdia (Hospital e Maternidade Maria Auxiliadora) prestava assistência social digna de uma instituição samaritana, fornecendo alimentos aos desabrigados e serviços médicos àqueles que estivessem em estado de saúde crítico, assim fazendo jus aos motivos de sua criação.

A construção de um hospital de caridade na primeira metade da década de 1950 na Operária corrobora a imagem do bairro como área infestada de gente faminta e com moléstias de toda ordem, sobressaindo-se os males parasitários, como sarampo, coqueluche, esquistossomose, barriga d’água, diarréia, e a mais temida: a doença de Chagas, muito freqüente por causa dos insetos que proliferavam nas residências de madeira. As crianças eram as maiores vítimas da falta de saneamento básico (esgoto, água encanada, galerias de águas pluviais), melhorias que vão cobrir o bairro em sua totalidade apenas nos anos 1970. Uma clínica como a Santa Casa, erigida na Operária, foi um avanço de Maringá no trato com a pobreza, e a Igreja Católica teve papel vital nessa obra. Os religiosos alemães fundadores da casa viram na vila humilde uma fecunda oportunidade para exercer seu ofício na ajuda ao próximo. Todos os irmãos tinham formação profissional na área médica, e às vezes passavam as noites em claro cuidando dos enfermos, seja do bairro, seja de outras localidades. A Santa Casa, como é conhecida popularmente, não se restringia às suas atribuições hospitalares; fornecia também alimentação gratuita ao povo carente, ampliando o seu campo assistencial.

Outra instituição médica foi instalada na Operária, só que teve existência breve: a clinica de repouso Santo Agostinho, um Iugar criado para suprir o tratamento aos doentes mentais presentes na cidade e no bairro. Servia como espaço auxiliar do Sanatório Maringá, este sim um local de maior porte e melhor aparelhado para lidar com esse tipo específico de pacientes. O interessante é que, na segunda metade da década de 1960, época da edificação do Hospital Psiquiátrico Santo Agostinho, segundo jornais da cidade, muitos “transtornados” e “loucos” vagavam pelo bairro e a necessidade de um manicômio fazia-se premente. Outro tema comentado pela crônica policial concerne à prostituição, prática polarizada pelo Hotel Bonanza, encontrando seu auge nos anos 1970, um referencial àqueles que sustentavam a atividade meretrícia. Um ponto menos “badalado”, denominado “Pintor” (seqüência de quartos dentro de um terreno), atraía a freqüência dos menos afortunados, constituindo-se em alternativa popular. Tanto o Bonanza quanto o Pintor localizavam-se na Avenida Brasil e eram precariamente construídos e mobiliados, destinados à população masculina de baixa renda. Os dois não existem mais; foram desativados no raiar dos anos 1980. Em seus pontos antigos abriram- se lojas de comércio, e as prostitutas se viram forçadas a procurar outras áreas de trabalho.

 

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fonte:  

Memória dos Bairros –  Vila Operaria 

Prefeitura do Municipio de Maringá

Secretaria da Cultura 

Gerência de Patrimônio Histórico